SANTA RITA (MA) — Um conflito agrário que já dura duas décadas chegou a um novo patamar de tensão com a condenação, em 2023, do procurador federal Ezequiel Xenofonte Júnior, chefe do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no Maranhão. Ele foi sentenciado a um mês e dezoito dias de prisão, em regime aberto, por ameaçar uma liderança quilombola, Maria Antônia Teixeira Dias, conhecida como Antônia Cariongo. O procurador também é alvo de investigações por crimes ambientais e violência contra a comunidade do Quilombo do Cedro, composta por 62 famílias.
A área de conflito gira em torno da fazenda Cedro, cuja posse é reivindicada por Xenofonte Júnior, que se declara herdeiro do local. A propriedade tem sobreposição com o território tradicional quilombola, reconhecido pela Fundação Cultural Palmares desde 2020. O processo de regularização fundiária da comunidade está em andamento no Incra.
Moradores acusam o procurador de diversos crimes, como envenenamento de águas, destruição de casas, mortes de animais, desmatamento sem licença e ameaças constantes. Em vídeos usados como prova na condenação, Xenofonte afirma que "vai dar uma resposta" à liderança Cariongo, além de mencionar a filha da vítima de forma intimidatória. A Justiça, por enquanto, suspendeu a reintegração de posse até nova análise pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Maranhão.
O Ministério Público Estadual e o Incra atuam para garantir a permanência da comunidade no território, defendendo que a retirada das famílias seria um "crime social". “É uma comunidade que vive lá há mais de cem anos. Todos os nossos esforços são para retirar o risco dessa reintegração”, afirmou o promotor Oziel Costa Ferreira Neto.
O filho do procurador, Ezequiel Xenofonte Neto, também é investigado por supostamente destruir casas no local e por envolvimento em ações de intimidação. Em 2020, moradores denunciaram que policiais militares, acompanhados de Xenofonte Neto e sem viaturas oficiais, fotografavam a área e agiam de forma truculenta.
A comunidade relata uma escalada de ameaças nos últimos anos, incluindo disparos de arma de fogo, uso de spray de pimenta, e a destruição de plantações e moradias. Algumas lideranças, como Antônia Cariongo e Nilo de Jesus Pereira, vivem sob proteção do Programa Estadual de Defensores de Direitos Humanos devido às ameaças.
Xenofonte Júnior, que ingressou no serviço público em 1986, recebe atualmente mais de R$ 40 mil líquidos por mês, segundo o Portal da Transparência. Em nota, o Dnit informou que o conflito é de natureza pessoal e não está relacionado às atividades institucionais do procurador.
Enquanto isso, a comunidade quilombola segue na expectativa de uma solução justa. “Minha avó era descendente de escravos, chegamos aqui em 1907. Eu nasci aqui e vou morrer aqui”, declarou Nilo Pereira, uma das lideranças da comunidade.